Roxy Dinner Show: Patrimônio Imaterial – uma proposta discutível

A ALERJ aprovou o reconhecimento do Roxy Dinner Show como patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, gerando críticas sobre o critério adotado. William Bittar questiona a legitimidade da decisão

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O Diário do Rio, em matéria do dia 08 de abril de 2025 (/roxy-dinner-show-vira-patrimonio-imaterial-do-rio/), noticiou que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, aprovou a concessão do título de patrimônio imaterial do Estado ao Roxy Dinner Show, casa de espetáculos inaugurada em Copacabana, ocupando as dependências do tradicionalíssimo Cinema Roxy, tombado pelo Município pelo Decreto 22.773, de 3 de abril de 2003, cuja arquitetura torna-se atração secundária diante da exuberância dos espetáculos e sua cenografia.

Projeto para o Cine Roxy, Copacabana Revista de Arquitetura, n.3, julho de 1934

Conforme expresso no portal do Instituto Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como patrimônio imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.”

O conceito de Patrimônio Imaterial está diretamente associado à sua importância relacionada à história e cultura local, algo que se transmite de geração a geração, produto da interação com seu ambiente, provocando sentimentos de identidade e pertencimento, consolidando ideais de respeito à diversidade cultural e à capacidade criativa dos grupos envolvidos.

Entre outros fatores implícitos para auferir título tão honorífico, está a importância consolidada para os responsáveis pela perpetuação dos saberes envolvidos. Certamente, o processo histórico e cultural são instrumentos fundamentais para sua aceitação e perpetuação.

Alguns exemplos podem ilustrar as características do Patrimônio Imaterial Nacional para os menos familiarizados com o conceito: a Roda de Capoeira, o Frevo, o Samba de Roda, o Círio de Nazaré, o Carimbó, o toque dos sinos das igrejas mineiras. No Rio de Janeiro, entre outros, temos a Banda de Ipanema, o Grêmio Recreativo Cacique de Ramos (que brevemente abrirá seu Centro de Memória), o Cordão da Bola Preta, a Feira de São Cristóvão, algumas rodas de Chorinho

Músicos e espectadores reunidos sob o algodoeiro-de-praia da Praça Augusto Ruschi, na Roda de Choro do Recreio, Patrimônio Imaterial do Estado do Rio, em 02/04/2025 Reprodução Facebook

Diante disso, a referida concessão atribuída pela ALERJ demonstra, no mínimo, o desconhecimento básico das premissas que definem o que é Patrimônio Cultural Imaterial para uma casa de espetáculos com seis meses de funcionamento.

Provavelmente, a proposta, que não recebeu ampla divulgação nem mesmo sobre sua autoria, foi fundamentada em consistente documentação, justificando inclusive sua aprovação de maneira tão célere, enquanto outras proposições arrastam-se por anos, ainda que envolvam bens com motivações convincentes e necessárias para preservação do patrimônio imaterial estadual.

Como reagirá o órgão oficialmente responsável por tais iniciativas, no caso o INEPAC, que deve apreciar detalhadamente a proposta antes da sanção ou veto do governador?

Curiosamente, o mesmo plenário da ALERJ, destombou, em 2022 (/buraco-do-lume-no-centro-e-destombado-pela-alerj/), o tradicional “Buraco do Lume”, permitindo a construção de um edifício de muitos pavimentos ocupando o tradicional local culturalmente conhecido e ível do mesmo título de patrimônio imaterial (/trazendo-a-lume-um-certo-buraco-no-centro-do-rio/) outorgado a um ponto turístico que promove espetáculos made in Brazil for export.

Espetáculo no Roxy Dinner Show Divulgação

Independente da sua importância para o turismo na cidade, ratificado por uma indicação da Revista Time como “um dos melhores lugares do mundo” em 2025, restam algumas questões.

Melhor para quem? Considerando o preço praticado para os ingressos, cujos pacotes variam entre R$272,00 e R$790,00, e o próprio formato do espetáculo, o o torna-se restritivo, afastando-se do conceito básico de Patrimônio Imaterial, associado aos valores culturais e saberes da população.

Neste caso, os responsáveis efetivos pela definição da perpetuação do patrimônio “protegido”, como cantava Cazuza, não foram convidados para a festa que armaram para convencer e possivelmente ficaram na porta estacionando os carros enquanto o título concedido pela egrégia ALERJ agrega mais valor material ao estabelecimento comercial.

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William Bittar
Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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