A Unidos de Vila Isabel definiu o enredo que levará à Marquês de Sapucaí no Carnaval de 2026. A escola vai homenagear o compositor, sambista e artista plástico Heitor dos Prazeres com o tema “Macumbembê, Samborembá: Sonhei que um Sambista Sonhou a África”. O anúncio foi feito no sábado (10), durante uma roda de samba na Pedra do Sal, local histórico ligado à herança afro-brasileira e à própria trajetória do homenageado.
Com dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, o enredo parte da visão poética de Heitor sobre o samba, a negritude e a vida. Inspirado por seus sonhos e por sua linguagem estética, o desfile propõe uma viagem por uma África imaginada, festiva e ancestral — uma construção afetiva que dialoga com a força do samba e das religiões de matriz africana.
Heitor dos Prazeres nasceu em 1898, dez anos após a abolição da escravidão. Foi ele quem cunhou os termos “Pequena África” e “África em miniatura” para descrever a região da antiga Praça Onze, onde cresceu cercado por nomes como Pixinguinha, Ismael Silva e Nilton Bastos. Além de músico e dançarino, era Ogã no terreiro de Tia Ciata, referência máxima da herança afro no Rio.
O título do enredo faz referência à música “Tia Chimba”, composta por Heitor em parceria com Paulo da Portela. A canção exalta a fusão entre o samba e os elementos do candomblé e da umbanda — tradições que, segundo ele, “sempre se misturaram”.
De Vila Isabel para o mundo
A escolha de Heitor também dialoga com a própria história da escola. O artista teve uma relação próxima com o bairro de Vila Isabel e chegou a compor com Noel Rosa a clássica música “Pierrô Apaixonado”, eternizada na voz de Martinho da Vila. Em 1966, essa conexão se fortaleceu quando o artista participou do Primeiro Festival Mundial de Artes Negras, em Dakar, no Senegal. Na ocasião, dois documentários sobre sua obra e sobre o carnaval da Vila Isabel foram exibidos no evento, selando o vínculo entre Heitor e a agremiação.
A homenagem também marca um retorno da Vila Isabel à valorização de personalidades negras em seus desfiles, como fez em carnavais anteriores ao exaltar figuras como Martinho da Vila. A decisão reafirma o compromisso da escola em celebrar nomes centrais da cultura brasileira, em contraponto à polêmica deixada pelo ex-carnavalesco Paulo Barros, que criticou enredos com temas ligados à negritude.
A história de Heitor dos Prazeres
Filho de um clarinetista e de uma costureira, Heitor dos Prazeres teve papel fundamental na fundação das primeiras escolas de samba, como a Deixa Falar, a Portela e a Mangueira. Sua trajetória como artista plástico ganhou notoriedade internacional: participou das Bienais de São Paulo e teve obras adquiridas por personalidades como a Rainha Elizabeth II.
Seu legado está presente em composições que atravessam gerações e em telas que retratam com sensibilidade o cotidiano, a luta e a alegria do povo negro. A expectativa da escola é que o enredo de 2026 contribua para resgatar e reposicionar sua importância no imaginário nacional.
Outras escolas também definiram seus enredos
Com o anúncio da Vila Isabel, outras escolas do Grupo Especial do Rio também começaram a revelar os enredos que levarão à Marquês de Sapucaí em 2026. A Beija-Flor de Nilópolis terá como tema o “Bembé do Mercado”, celebração religiosa de matriz africana reconhecida como patrimônio imaterial da Bahia. A Paraíso do Tuiuti apresentará “Lonã Ifá Lukumi”, uma imersão nos saberes ancestrais e na espiritualidade iorubá.
Já a Imperatriz Leopoldinense prestará homenagem ao cantor Ney Matogrosso, um dos ícones da música e da liberdade artística no Brasil. A Viradouro, por sua vez, exaltará o mestre de bateria Ciça, figura histórica do carnaval carioca. A Grande Rio ainda não divulgou seu enredo, mas deixou no ar que pode tratar do manguebeat, movimento cultural pernambucano que mistura regionalismo, crítica social e música urbana.